Subi ao andar do vizinho e decidir falar com ele.
Mas não sabia o que fazer, o que falar, por que
tocar sua campainha, pois o silêncio
lá dentro era tumular.
Então resolvi esperar e com isso concatenar
na minha cabeça meu discurso de respeito
ao vizinho, de convivência pacífica,
de atitudes que eu poderia tomar contra
o idiota canguru que me assolava com
suas passadas de gigante ao mínimo
sinal de música, como a me
punir pelos meus gostos musicais,
que nem são ruins.
Imaginei o tamanho do vizinho.
Seria ele gordo, com barba por fazer,
truculento e fedido?
Iria me encarar, arranjar um qüiprocó imenso
pelo meu pedido gentil de silêncio,
ou seria magro e alto, desengonçado, por isso
faz tanto barulho na minha cabeça?
Poderia até ser uma vizinha, mas teria que ser
alguém com muito chumbo nos pés para
fazer tantos tuns-tuns-tuns.
"Por favor, eu gostaria de ter paz, então pare de
pular enquanto eu ouço minhas músicas,
obrigado".
Eu poderia escrever isso, deixar debaixo
da porta e sair feliz, esperar que ele
(ou ela, ou o que quer que seja) fosse
até a minha casa tirar satisfação.
Mas não, eu não sou assim, eu enfrento meus medos.
Então esperei sair, e esperei sair preparado,
pois ia tomar satisfações.
Duas. Três. Quatro.
Quatro horas e quarenta e cinco minutos
depois a chave girou, lenta.
A maçaneta, numa abaixada abriu a porta
num vagar impressionante.
Era um senhor, de seus 70 anos.
Magro e corcunda, com olhos que faiscavam,
muito mais vivos que os meus olhos jovens.
Tinha movimentos compassados, quase que calculados.
Abriu a porta o suficiente para que seu corpinho passasse,
parou-a com uma mão, enquanto a outra enfiava
novamente a chave na fechadura.
Baixou a maçaneta, olhou para os lados,
puxou a porta para si.
Girou duas vezes a chave, testou novamente
a maçaneta, sem se aperceber de mim,
um ritual milimétrico.
Depois virou-se e disse:
- Boa noite, meu rapaz.
- Boa noite, eu gostaria de falar com o senhor.
- Comigo? Mas que honra!
Há muito tempo ninguém vem até aqui falar comigo.
Será um prazer falar contigo, quer tomar um café,
podemos entrar...
- Não, não, não, obrigado.
Gostaria de falar com o senhor sobre o barulho.
- Barulho? Qual barulho?
Apesar da minha idade ouço muito, muito bem
e não ouvi nenhum barulho.
- É o barulho que o senhor faz quando eu coloco música.
Eu gostaria de pedir-lhe...
- Meu filho, me desculpe.
Disse isso colocando as mãos nos meus ombros e
empertigando-se para ficar quase da minha altura,
lutando com sua corcova dromedária.
- Tenho um sério problema.
Ouço bem demais e ainda uso um aparelhinho
de surdez, invenção do meu filho não sei para quê.
Então ouço tudo que acontece nos andares
de cima e de baixo.
A louça sendo lavada os apartamentos do fundo,
o burburinho das crianças do andar de cima,
as transas enlouquecidas dos apartamentos
contíguos ao seu.
E sua música, sempre tão bela, me dá
vontade de dançar.
Não tenho onde ir, não tenho ninguém, apenas
sua música para me divertir.
Então danço com bastante vontade.
Se te incomodei, me perdi...
- Não, eu que peço desculpas.
A partir de agora, venho aqui dançar com o senhor.
- Está combinado então?
Muito obrigado, meu rapaz, que Deus lhe abençoe.
Então, a partir desse momento, o silêncio se fez.
Peterso Rissati
...você é imediatista?
pense...